João

João, meu filho, esse menino, uma cambalhota! Agora! E de banda, fazendo o favor! Sem explicações. Sem parar para pensar. Sem parar. Me fazendo este grande favor. As minhas cidades têm araucária, eucalipto, pinheiro, plátano… tudo muito alto e cheiroso. Eu vou soltar você lá no planalto para você ver de perto. Imagina, João! Mas você precisa vir. E tem de ser rápido. Pense em todas essas árvores… você pode subir em todas elas, viu? Nas que quiser, você pode escolher, João. Lá de cima é que você vai ver tudo, tudo, tudo. Você vai ver a serra toda, em zigue-zague – ei, João! – conhecia a palavra zigue-zague? O que achou? Guarde, guarde em sua pedra! Ou na caixa marchetada. Que é bela, não é? João, Joãozinho… agora me empreste alguma coisa, qualquer coisa de sua guarda, de sua lavra, de seu cultivo ou que você tenha roubado por amor à beleza. E me traga, venha entregar. Seu amigo resta aqui, feito alvo, nervoso de secura e tremores, e não há vivalma, João, ninguém acode o amigo, beligerância inconteste. É saudade, é contenda, é crachá… tudo aborrece e ainda temo a labirintite. Vamos subir aquela serra, meu filho, vamos de búfalo, vamos caçando bernunça, pegando o bicho de surpresa na descida. A lagartona bocaberta. Você não faz ideia da beleza daquele Rio do Rastro, a gente rumando na sequência da cobra comprida… e a água escorrendo boa, direto da pedra, medrando simples. Dá para beber. E até a pedra lá é verde, do cachoeiro, esmeralda de parede. Coisa mais linda, Joãozinho. Vê se salta logo, que eu quero muito chegar lá em cima, e eu quero que você suba numa árvore sem dificuldade e que faça aquelas suas coisas, esmagar uma folha na mão e ficar sentindo os aromas matagais. E você vai guardar o cheiro no bolso, seu tremendo ladrão. João, você não vale o ar que respira. Eu quero dizer que você não vale o ar que respira nessa Fortaleza e que não me importa se aí tem praia e nem se aí tem sol, lagosta, eu quero é uma cambalhota, João! Vem comigo até o fim da serra e você vai ver o litoral a olho nu. Eu não estou brincando. Lá, no fim de tudo. Depois do Rastro, depois de toda a planície. Você vai ver. Se tiver sol. E se não tiver, você vai ver um mar de nuvens e eu prometo fazer silêncio. Por você. O alto da serra é um jardim, meu querido. Prêmio de meia odisseia. Pelo nosso alcance do planalto serrano. Lá se chama Bom Jardim da Serra e é um lugar feito de pôr-do-sol. Lá é que a gente enxerga todo o dourado que vai gastar no resto do caminho. Pode rir, pode chorar, pode tudo. É lindo. Ô, João. Seu amigo sente avisos de que precisa lhe ver. Ô, João, meu Joãozinho. E sente que precisa sossegar um povo do meio-oeste, no que leve para lá o abraço de João. Sabe, há cães noturnos aqui, neste prédio, João. Só latem na hora neutra. Acho que são dois, um casal. Também estou cansado. Talvez não haja plátanos no planalto, mas no meio-oeste. Sim. E vou te mostrar as hortênsias. Uma cambalhota, João! De banda! Espero você na Lapa. E partimos.

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